O caso do apartamento 203

São 15h35 na capital paulista, estamos no bairro dos Jardins. A cidade está menos agressiva, é segunda-feira e o trânsito nesse dia da semana é mais calmo. A câmera vai descendo até entrar no lobby do grande hotel. Passa pela porta que dá acesso ao back stage e vai zigue-zagueando pelo corredor, desce um lance das escadas e chega ao room service, no momento exato que Amarildo entra no elevador carregando uma bandeja. Vamos de carona. A porta abre e o garçom sai em direção do 211, ao passar pelo apartamento 203, escuta um grito de mulher vindo lá de dentro. Ele coloca devagar a bandeja no chão e encosta a cabeça na porta. Lá na segurança, Rafael aponta o monitor para seu companheiro Marcos, que sai da sala apressado.

Dentro do apartamento, o grito é abafado pelas mãos de Herbert, o recém-chegado gerente geral que, a qualquer custo, quer fazer uma “inspeção” mais detalhada nas qualidades da arrumadeira Zilda.
– Para com isso seu Herbert, o que o senhor pensa que sou?
– Se eu falar o que penso posso correr o risco de tomar um tapa! Pare você, que ainda vamos quebrar alguma coisa nesse apartamento. Vem cá…
Ele agarra a menina de vinte e poucos anos, que nas horas vagas é passista da escola de samba Rosas de Ouro, que fica entre o trabalho e sua casa, na Vila Nova Cachoeirinha.

Zilda é a filha mais velha do casal Jorge e Emiliana, tem mais três irmãos, todos homens e com a idade entre 21 e 17 anos. Todos trabalhadores honestos. O pai é motorista de uma empresa de receptivo e foi ele que conseguiu o emprego para ela. O pedido foi feito durante um trabalho de cortesia que fez para a chefe do departamento de recursos humanos.
– A senhora não consegue um emprego para minha filha Zilda aí no hotel? Olha pode ser de arrumadeira, quem sabe ela não se anima e faz até um curso ou uma faculdade? Ela é muito honesta e bem “apessoada”! Propõe Jorge enquanto espera a fila de carros entrar na 23 de maio. Na primeira vaga que surge Zilda participa da seleção e consegue o trabalho.
– Até que ela é esperta mesmo, acho que foi uma boa contratação dona Helena, comentou a supervisora Suzana com a governanta.

As coisas foram bem até a chegada, algumas semanas depois, do novo gerente geral, o tal do Herbert. O anterior era muito simpático e tratava muito bem todos os colaboradores do hotel, mas de alguma maneira parece que não agradava os investidores. Era o que rolava na Rádio Peão.
– É, parece mesmo que o seu Durval vai ser mandado embora, a coisa tava feia na reunião da noite passada. Ninguém tava de acordo com o orçamento apresentado por ele. Reclamaram que ele gasta muito em treinamento e nas reformas, comenta baixinho o assistente de eventos Marco com o Renilton, chefe da manutenção.
– Pois é meu amigo, pra você ver como esse mundo tá de cabeça pra baixo. O homem é gente boa, vamos ver quem virá no lugar dele, dizem que depois da bonança vem a tempestade…

Dito e feito, alguns dias depois o bom e velho Durval foi pro olho da rua, mas logo ele se recolocou, com a ajuda do consultor Márcio. Na hora da jantar, do dia em que o novo GG foi apresentado a todos na troca de turno da tarde, os comentários eram “nublados” entre a “turma do bem”. Já a “turma do pântano”, achou lindo ver o Durval ser mandado embora.
– Você viu a cara dele indo embora, quase chorou, tadinho! Disse rindo o segurança ao seu chapa da faxina.
– Bem feito, nunca gostei daquele mané, sempre rindo à toa e tratando todo mundo bem, puxa-saco!
No outro canto do refeitório, Marcelo e Roberta conversam:
– O que você achou dele?
– Não sei, ainda é cedo para julgar, mas minha intuição não foi das melhores, espero estar enganado.
– Pois é, ele me deu uma olhada de cima pra baixo, me “comeu” com os olhos.
– Vamos esperar e torcer para tudo ir bem…

Nem uma semana tinha se passado depois da grande mudança gerencial do hotel quando na tarde daquela segunda-feira, Zilda havia começado a arrumação do 203. Por ordem do novo GG, as arrumadeiras não podiam mais trabalhar com os carrinhos e sim com uma grande cesta na qual carregavam as peças de reposição, além disso as portas deveriam ficar fechadas durante o trabalho realizado dentro dos apartamentos. São 15h36 e ela escuta o barulho da chave sendo inserida na fechadura eletrônica. Nem dá tempo de pensar se é o hóspede ou alguém da governança.
– Olá Zilda, fala Herbert com um sorriso de “muitos bons amigos”.
– Senhor Herbert, posso ajudar? Diz, já arrependida pela pergunta.
– Ora, claro que pode, fala o GG, fechando e trancando a porta.
– Por favor deixe a porta aberta, seu Herbert!
Sem dizer nada, ele dá alguns passos em sua direção, segura seus braços e tenta beijá-la. Ela desvia um pouco sua boca da dele e grita. O Herbert, que talvez tenha pensado que ela não iria reagir, deixa-a escapar. Ela vai pro outro lado da cama e  após o pequeno diálogo que já lemos no começo do texto, pula em cima da cama e tenta agarrá-la. Ela tenta correr mas tropeça no aspirador e cai no chão. Ele monta em cima dela e começa a beijá-la de novo. Ela enfia a unha no rosto dele e dá um chute certeiro com o joelho nele, que cai para o lado. Ela se levanta, corre para a porta, abre-a e dá uma forte cabeçada em Amarildo, os dois caem no chão, ela pra dentro do quarto tonta e ele pro outro lado do corredor com o supercílio sangrando. Nenhum dos dois fica sabendo quem é quem. Gotas de sangue começam a manchar o carpete do corredor. Herbert puxa ela pra dentro do quarto e fecha a porta, no momento exato que o segurança entra no corredor…

Continuo ou não este conto-post-romance? Boa semana! Aho!

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3 comentários

  1. Clodoaldo Ramos

    Sr. Peter muito bem narrado!!! Acredite ja vir um caso parecido com esse ou tal vez pior!!! Mas vou aguardar ansioso para continuação na segunda feira pois como voce mesmo diz,””voce pensa e escreve aso Domingos””

    Clodoaldo Ramos
    Chef Executivo de Cozinha

  2. Peter,
    Assim não vale no melhor da história termina…….ha!ha!ha!
    Muito bom!
    Parabéns
    Sigrid Silva Diercks

  3. Dificil comentar…

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